Bonadona: depois de
21 anos no comando da Accor no Brasil, executivo deixa empresa
|
São Paulo – Há 21 anos no comando da rede de hotéis Accor no Brasil,
o francês Roland de Bonadona vai deixar o posto no próximo dia 1º de julho. Ele
passará a batuta para o colega Patrick Mendes, que há três anos dirige marcas
da empresa na América do Sul.
Com 40 anos de experiência,
Bonadona conhece de perto o mercado hoteleiro. Sob sua gestão, o número de
unidades da Accor pulou de 22 para 260 na América Latina – 219 delas só no
Brasil.
O executivo foi o
responsável pelo lançamento das marcas econômicas da companhia por aqui, a
família Ibis, segmento com a maior expansão dentro do grupo.
Em março, foi eleito presidente
da Câmara de Comércio França-Brasil, projeto que assumirá pelos próximos dois anos.
A EXAME.com, Bonadona concedeu
sua última entrevista como
presidente da Accor. Ele falou sobre sua contribuição para a empresa, o legado
(e os erros) da Copa para o país, o ambiente de negócios por aqui e sobre seus
novos planos. Confira os melhores trechos:
EXAME.com
– A Accor no Brasil estava há mais de 20 anos sob o seu comando. Como vocês
construíram o processo de sucessão?
Roland de
Bonadona – O processo de sucessão ocorreu nos últimos
dois anos e foi muito bem estruturado. Meu sucessor (Patrick Mendes) está aqui
no Brasil há três anos e já estava designado para assumir marcas da Accor na
América do Sul. Ele conhece bem o país e o continente, conhece bem a empresa e
os desafios de operar na região.
EXAME.com
– Você participou da escolha?
Bonadona
– O processo é muito bem elaborado junto com toda a empresa,
comandado pelo RH, mas ele era o meu candidato, fui em quem o indiquei.
EXAME.com
– Recentemente, a Accor anunciou que irá construir 26 novos hotéis na região da
América Latina e Caribe até 2018, a maioria da bandeira Ibis. A empresa
continuará investindo na expansão do segmento econômico?
Naturalmente, a gente vende mais
diárias econômicas do que de luxo. A demanda cresce mais na base da base
pirâmide. Temos hoje 219 hotéis em operação no Brasil, e outros 159 sendo
desenvolvidos. Dentro dessa carteira de desenvolvimento, a maioria dos hotéis
são econômicos, 29 da categoria midscale (intermediária) e apenas 2 de luxo.
Essa é a relação normal na
hotelaria. Estamos presentes em 92 cidades do Brasil e temos hotéis cinco
estrelas em somente meia dúzia delas, que são grandes metrópoles operacionais –
como São Paulo, Rio de Janeiro, Guarulhos (por conta do aeroporto
internacional), Florianópolis e Recife.
As diárias de luxo custam a
partir de 500 reais e nem todo turista paga esse preço, geralmente acontece nas
grandes cidades e estamos nos desenvolvendo muito nas pequenas.
EXAME.com
– A crise econômica pode interferir nesse projeto de expansão?
Bonadona – Um
hotel novo demora em torno de 4 anos e meio para ficar pronto, desde a
assinatura do contrato com o investidor até a abertura para o público. A crise,
com a dificuldade de acesso a recursos, pode atrasar a entrega dos
empreendimentos (prevista para o fim do ano de 2018).
Mas não vamos deixar de
construir, porque sabemos que a situação é temporária e o Brasil vai continuar
a crescer quando ela passar. A nossa carteira de desenvolvimento garante a
expansão do grupo nos próximos anos.
Nesse intervalo, porém, devem
aparecer novas conversões de hotéis (processo em unidades de hoteleiros
independentes passam a operar por marcas da Accor). Isso é mais rápido do que
construir.
EXAME.com
– Você já disse que gosta de visitar os hotéis que estão sob sua gestão para se
aproximar do dia a dia deles. Como você tem feito isso ultimamente, com uma
rede tão grande?
Bonadona
– Quando cheguei aqui (em 1990) a Accor tinha 22
hotéis (na América Latina) e uma equipe pequena. Todo mundo se conhecia, havia
uma relação de proximidade. Hoje ela tem 219 unidades no Brasil e abre a cada
ano uma quantidade maior do que a que havia naquela época. Mas também tem uma
operação mais estruturada, o que facilita.
Acho importante traçar uma visão
estratégica do que precisamos almejar para daqui quatro ou cinco anos e, ao
mesmo tempo, ter uma presença mais direta tanto nas equipes, para conhecer o
clima dentro da empresa na prática, tanto junto aos donos dos hotéis, nossos
parceiros e clientes.
EXAME.com
– E como vocês criam essa proximidade?
Bonadona
–Temos uma reunião chamada “Sinta-se em casa”. Uma vez por mês, grupos de
colaboradores de outras cidades vêm para são Paulo para conhecer a sede e as
outras marcas da companhia. A gente passa três horas juntos, é uma maneira de
sentir um pouco a temperatura do terreno. Frequentemente eu também visito
alguns hotéis e tenho contato com os investidores.
Além disso, a gente monitora não
apenas os indicadores financeiros, mas a satisfação dos clientes. Fazemos isso
não só através de questionários diretos após a estadia, mas por meio do que
eles comentam nas redes sociais. E ainda verificamos se o nível de motivação
dos funcionários está dentro dos padrões das melhores empresas para se
trabalhar. Porque se eles se sentem bem, vão tratar bem o consumidor.
Esse monitoramento é fundamental
porque garante o resultado financeiro de longo prazo.
EXAME.com
– Que oportunidades a Copa do Mundo do Brasil, realizada no ano passado, e os
Jogos Olímpicos, que ocorrerão no país no ano que vem, trouxeram para a Accor?
Bonadona
– Quando há eventos desse porte, cria-se uma janela
de desenvolvimento nos locais onde eles acontecem. Os requisitos para implantar
hotéis, como a concessão de alvarás e as condições de construtibilidade, são
flexibilizadas. Assim, (durante esses acontecimentos) o projeto hoteleiro
se torna mais viável nessas cidades do que seria em outros momentos. Se você
tem bom parceiros, consegue dar uma acelerada nos planos.
No Rio de Janeiro (que vai sediar
as competições olímpicas no ano que vem) já abrimos novos hotéis e estamos
construindo mais alguns. Das 26 unidades que teremos até o início dos jogos,
praticamente 16 são resultado da Copa e das Olimpíadas.
EXAME.com
– Vai ter demanda para tudo isso quando as Olimpíadas terminarem?
Bonadona
– Quando se dimensiona um parque hoteleiro para esses eventos,
acontece a mesma coisa que houve com os estádios de Cuiabá e Brasília, por
exemplo. Ele fica deficitário (quando os jogos terminam). No caso dos hotéis, a
gente sabe que, progressivamente, o crescimento da demanda ajuda, mas esse
movimento pode ser acelerado com políticas de desenvolvimento ao turismo.
EXAME.com
– Você já disse que o Brasil aproveitou mal as oportunidades durante a Copa.
Qual a avaliação que você faz das Olimpíadas?
Bonadona
– O turismo é um grande eixo de desenvolvimento
econômico e social e o Brasil tem recursos naturais e culturais que estão entre
os maiores do mundo. Um estudo feito todos os anos pela Organização Mundial do
Turismo (OMT) sobre a competitividade do setor hoteleiro mostra que o Brasil
está na 12ª posição no quesito cultura e recursos naturais, mas cai para a 76ª
quando o assunto é ambiente de negócios e infraestrutura e para a 82ª quando se
trata de políticas de regulamentação. O país tem o mais difícil, mas não sabe
explorar.
Trazer a Copa e as Olimpíadas foi
um bom trabalho do (ex-presidente) Lula e do (ex-prefeito do Rio) Eduardo Paes.
Era uma chance enorme, esses eventos abrem uma janela mundial sobre o país, o
mundo inteiro olhou para o Brasil na Copa e vai acontecer a mesma coisa ano que
vem.
O país fez investimentos em
estádios, infraestrutura e telecomunicação, que eram importantes, mas nenhum em
promoção do turismo. Foi uma perda de oportunidade e está acontecendo algo
parecido agora.
Deveríamos nesse momento promover
e valorizar os destinos que os cerca de 1 bilhão de turistas mundiais ainda não
conhecem aqui. Há muitos esforços para modernizar o Rio, construir hotéis, mas
não se vê nada para incentivar as pessoas a conhecer outros lugares, cidades ao
redor que possam ser visitadas depois dos jogos.
O desafio é como fazer isso. É
preciso que uma uma autoridade do governo queira, como ocorreu na Alemanha e
Reino Unido.
EXAME.com
– Que legado você deixa para a Accor?
Bonadona
– A Accor é um grande grupo global que tem uma expertise muito forte
no desenvolvimento de conceitos hoteleiros – como Ibis e Novotel – na
capacitação das pessoas, no monitoramento de ferramentas.
O ambiente de negócios brasileiro
não é fácil, não é para principiantes, tem que ser enfrentado com conhecimento,
com parceiros que são capazes de atuar nesse terreno. O que fazemos muito bem é
usar os modelos Accor combinados com a energia e a receptividade dos
brasileiros e a resiliência dos investidores locais, que sabem que a crise vai
passar, que sabem trabalhar com os maiores juros reais do mundo e com a Justiça
lenta.
Essa capacidade de juntar as
forças locais é que fez nosso sucesso aqui.
EXAME.com
– E quais são os seus projetos depois de deixar a Accor?
Bonadona
– Fui eleito presidente da Câmara de Comércio França-Brasil (CCBF).
Conjugar o que a França pode trazer com a expertise brasileira me interessa
muito e vou estar ocupado com isso nos próximos dois anos.
Também pretendo continuar no
setor de hospitalidade, não como executivo, porque já assumi a presidência da
maior rede do país, mas com consultoria e investimentos. Oportunidades com
certeza vão aparecer.
Me naturalizei brasileiro, amo as
pessoas daqui, os parceiros. Vou ficar no Brasil para poder testemunhar as
mudanças necessárias para se aproveitar o que esse país tem de bom.
Fonte: Exame.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário